quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Religiosidade na Capoeira

PARA AQUELES QUE SE PERGUNTAM E TEM DUVIDAS ,PRESTEM BEM ATENÇÃO NA LIGAÇÃO DA CAPOEIRA COM RELIGIÃO

Dentre os vários aspectos expressos pela capoeira, o componente mítico-religioso sempre foi para mim, um dos que mais suscitou curiosidade. Debates, opiniões e muitas histórias contadas e recontadas através da tradição oral presente na cultura popular, são a motivação para a minha pesquisa nesse universo.
O aspecto mágico e misterioso, conhecido no universo da capoeiragem como “mandinga”, por exemplo, é um dos elementos importantes para uma compreensão mais aprofundada sobre essas questões. O substantivo “mandinga” se refere possivelmente à região mandinga, na África ocidental, banhada pelos rios Níger, Senegal e Gâmbia. Entre os africanos trazidos para o Brasil, havia a crença de que nessa região habitavam muitos feiticeiros. Daí podemos compreender melhor o sentido que esse termo acabou ganhando na capoeira
O grande mestreValdemar da Liberdade disse uma vez que os mestres de antigamente “...tinham muita mandinga, viravam folha, viravam bicho. Aquilo era próprio para barulho. Besouro era um grande capoeirista, mas tudo debaixo de oração”. Cobrinha Verde se dizia católico, mas não deixava de recorrer também às tradições religiosas africanas para o “fechamento de seu corpo” no sentido de se proteger dos inimigos “desse mundo e do outro”, dizia ele.
Os depoimentos dos capoeiras mais antigos evidenciam a mandinga enquanto componente fundamental da capoeira. O termo mandinga pode designar a malícia do capoeirista durante o jogo, fazendo fintas, fingindo golpes e iludindo o adversário. Mas pode referir-se também a uma certa dimensão sagrada, um vínculo que muitos praticantes de capoeira possuem com os preceitos de algumas religiões afro-brasileiras. Em geral, boa parte das manifestações de origem africana no Brasil, de uma forma ou de outra, trazem algum aspecto que evidencia uma aproximação maior ou menor com as religiões afro-brasileiras.
Mas dizer que a capoeira possui aspectos de religiosidade, não significa dizer que ela está diretamente ligada a essa ou àquela religião em particular, pois existem praticantes de capoeira de todas as religiões. Na capoeira não se pergunta qual a religião do capoeirista antes do jogo: simplesmente se convida para jogar.
A capoeira tem religiosidade, mas não tem religião !!!
A religiosidade da capoeira se manifesta através dos seus rituais, dos cânticos, da celebração, da memória dos seus ancestrais, da sua ligação com esse passado de luta e sofrimento. A dimensão do “sagrado” na capoeira se mostra através desses aspectos, e por isso podemos dizer que a religiosidade é um componente importante da capoeira, sobretudo da capoeira angola, embora muitos grupos de capoeira regional também valorizem essa dimensão.
Esses saberes populares que determinam a religiosidade presente na capoeira expressam um vasto campo de significados e de suas ligações com o “sagrado”, assim como muitas outras manifestações e tradições presentes no universo da cultura popular no Brasil. A dimensão do sagrado, tem para o povo simples de nosso país, um sentido muito especial e profundo e que determina suas crenças, seus modos de vida, seus sonhos, suas lutas, suas vitórias e suas derrotas.

Capoeira vira Patrimônio Cultural brasileiro

Em um Palácio Rio Branco cercado por aproximadamente 20 grupos de capoeira da Bahia, do Rio e de Pernambuco, no centro de Salvador, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) acolheu por unanimidade, na tarde desta terça (15), o pedido de registro da capoeira como Patrimônio Cultural brasileiro, feito pelo Ministério da Cultura. É o ponto alto de uma história repleta de altos e baixos. "Não se pode esquecer que a prática foi, por muitos anos, considerada crime pelo Código Penal", lembra a historiadora e capoeirista Adriana Albert Dias. "Hoje, é um símbolo nacional espalhado pelo mundo."

Os registros mais antigos da capoeira vêm do século 18. Era praticada por escravos, sobretudo os vindos de Angola. O esporte-dança foi considerado crime até o fim da década de 1930. Só a partir de lá começou a alçar a fama, hoje estendida a cerca de 150 países. Agora, passa a ser um dos 14 Patrimônios Culturais do país, junto com o frevo, o samba carioca e o ofício das baianas de acarajé, entre outros.

"Se hoje a manifestação é legitimada como um dos principais símbolos da cultura brasileira, foi por muito sacrifício, em especial dos mais antigos", conta o historiador e pesquisador do tema Frede Abreu. "Hoje, a maioria deles está em má situação financeira." Na prática, a elevação da capoeira a Patrimônio Cultural prevê, além da inscrição, como Bens Culturais de Natureza Imaterial, do Ofício dos Mestres de Capoeira no Livro de Saberes e da Roda de Capoeira no Livro das Formas de Expressão, a criação de um plano de previdência especial para os "velhos mestres". Gente como Francisco de Assis, o mestre Gigante, de 84 anos. "Preciso muito dessa ajuda", diz Assis, que já participou de rodas de capoeira com os lendários mestres Bimba e Pastinha, ícones da expansão da atividade.

Para o presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, o reconhecimento é um passo para que se estabeleçam "políticas públicas concretas" para a atividade. As próximas medidas para a preservação da capoeira, além do plano especial de previdência, de acordo com ele, são o estabelecimento de um programa de incentivo da atividade no mundo e a criação de um Centro Nacional de Referência da Capoeira, com sede em Salvador. "Vamos transformar a cidade em uma espécie de Meca da capoeira", afirma. (Tiago Décimo)